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MARLI VIEIRA Quinta-feira, 23 de Agosto de 2018, 22:28 - A | A

23 de Agosto de 2018, 22h:28 - A | A

MARLI VIEIRA / MARLI VIEIRA

COLUNA: A EXTINÇÃO DOS PROFESSORES

Marli Vieira



O ano é 2.035 D.C. - ou seja, daqui a dezessete anos - uma conversa entre avô e neto tem início a partir da seguinte interpelação:

– Vovô, por que o mundo está acabando, ninguém sabe de nada, as pessoas não ligam para nada, só se alimentam quando encontram algo na natureza escassa, andam de um lado para o outro sem saber o que fazer, brigam por comida?

A calma da pergunta revela a inocência da alma infante. E no mesmo tom vem a resposta do avô que olha para o horizonte como a procurar na memória algo que já não pode ver mais:

– Porque não existem mais PROFESSORES, meu anjo, infelizmente eles deixaram sua missão/profissão cansados das batalhas perdidas contra a mídia dominante, os diplomas vendidos, os alunos que os compravam e iam para o mercado de trabalho sem saber exercer a profissão, as lutas perdidas para os governantes, a falta de apoio dos pais nas escolas, o desrespeito dos alunos, os xingamentos, as vezes eram até agredidos fisicamente, a cobrança da sociedade de que tinham que fazer mais que suas funções, alguns até zombavam de seus salários.

– Professores? Mas o que é isso? O que fazia um professor?

O velho responde, então, que professores eram homens e mulheres elegantes e dedicados, que se expressavam sempre de maneira muito culta e que, muitos anos atrás, transmitiam conhecimentos e ensinavam as pessoas a ler, falar, escrever, se comportar, localizar-se no mundo e na história, viajar através de Literaturas estando no mesmo lugar, conhecer a beleza da Arte nas suas mais diversas formas, alimentavam sonhos de que seus alunos podiam ir além e vencer qualquer barreira com trabalho e honestidade, formavam personalidades e muitas vezes ocupavam o lugar dos pais que trabalhavam de dia e a noite cansados não queriam conversar e ficavam todos mudos assistindo TV, alguns até comiam ali para não perder uma novela ou programa, ou um seriado, as crianças cresciam vendo muito desrespeito e agressividade nas novelas e filmes, eles nem se reuniam mais em volta da mesa, e aos professores cabiam até ensinar boas maneiras como por favor, muito obrigada, desculpe-me, uma oração diária, entre muitas outras coisas, ouvir os problemas e queixas dos alunos com problemas familiares ou conflitos internos.

Principalmente, ensinavam as pessoas a pensar, a tomarem suas próprias decisões, a não aceitarem tudo o que lhes eram impostos, a serem críticos e sempre escolherem o melhor para a maioria e não privilegiar uma minoria.

– Eles ensinavam tudo isso? Mas eles eram sábios?

– Sim, ensinavam, mas não eram todos sábios. Apenas alguns, os grandes professores vocacionados, que tinham a profissão como uma missão de vida, viviam mais nas escolas do que em suas casas, cuidavam mais dos filhos dos outros que dos seus próprios filhos, as escolas eram blocos de concretos divididos em muitas salas, lá todos os dias muitas crianças, adolescentes e jovens iam, a noite também iam adolescentes, jovens, adultos, as vezes idosos, esses professores vocacionados motivavam e ensinavam outros professores, e eram amados pelos alunos.

– E como foi que eles desapareceram, vovô?

– Ah, foi tudo parte de um plano secreto e genial, que foi executado aos poucos por alguns vilões da sociedade. O vovô não se lembra direito do que veio primeiro, mas sem dúvida, os políticos ajudaram muito, tudo começou silenciosamente. Eles acabaram com todas as formas de avaliação dos alunos, apenas para mostrar estatísticas de aprovação, os que sabiam iam para a próxima série assim como os que nada sabiam, alguns podiam ficar três meses sem irem à escola e ainda iam para a próxima serie no ano seguinte, tendo nota ou não, porque havia um programa no sistema dos professores que não permitia dar nota que reprovasse algum aluno, e os que estudavam para serem bons profissionais se revoltaram e pararam de estudar também, se sentiram injustiçados.

Assim, sabendo ou não sabendo alguma coisa, os alunos eram aprovados. Isso liquidou o estímulo para o conhecimento e apenas os alunos mais interessados conseguiam aprender alguma coisa, mas eram tão poucos e estavam tão desvalorizados, eram até ridicularizados pelos outros alunos, chamados de CDFs, puxa sacos, e por isso decidiram não serem professores e seguiram seu caminho sem olhar para trás.

Depois, muitas famílias estimularam a falta de respeito pelos professores, que passaram a ser vistos como empregados de seus filhos. Estes foram ensinados a dizer “eu estou pagando e você tem que me ensinar”, ou “para que estudar se meu pai não estudou e ganha muito mais do que você” ou ainda “meu pai me dá mais de mesada do que você ganha”. Isso quando não iam os próprios pais gritar com os professores nas escolas. Para isso muito ajudou a multiplicação de escolas particulares, das quais, muitas estavam mais interessadas nas mensalidades que na qualidade do ensino, quando recebiam reclamações dos pais, pressionavam os professores, dizendo que eles não estavam conseguindo “gerenciar a relação com o aluno”.

Os professores eram vítimas da violência – física, verbal e moral – que lhes era destinada por pobres e ricos. Viraram saco de pancadas de todo mundo.

Além disso, qualquer proposta de ensino sério e inovador sempre esbarrava na obsessão dos pais com a aprovação do filho no vestibular, para qualquer faculdade que fosse. “Ah, eu quero saber se isso que vocês estão ensinando vai fazer meu filho passar no vestibular, vai lhe dar uma nota boa nota no ENEM” (este era um exame que o governo criou, ninguém entendia muito, mas todos seguiam, tinha cotas para pobres, negros, índios) para estes estudarem em universidades federais, estaduais ou bolsas de estudos para esses cotistas em faculdades particulares, independente se estavam em condições de assumirem tal profissão ou não, e os que estudavam pra valer as vezes não conseguiam vagas mesmo tendo boas notas, conhecimento e vocação para determinada profissão; era bom para uns, mas não para a maioria) mas era a única preocupação dos pais nas reuniões com as escolas.

E assim, praticamente todo o ensino foi orientado para os alunos passarem no vestibular. Lá se foi toda a aprendizagem de conceitos, as discussões de ideias, tudo, enfim, virou decoração de fórmulas. Com a Internet, os trabalhos escolares e as fórmulas ficaram acessíveis a todos, e nunca mais ninguém precisou ir à escola para estudar a sério.

Em seguida, os professores foram desmoralizados. Seus salários foram gradativamente sendo esquecidos e ninguém mais queria se dedicar à profissão. Quando alguém criticava a qualidade do ensino, sempre vinha algum tonto dizer que a culpa era do professor. As pessoas também se tornaram descrentes da educação, pois viam que os “bem-sucedidos” eram políticos ou politiqueiros da política e empresários, e as vezes, não raro pessoas corruptas, sem conhecimentos que mudavam as leis a seu favor, faziam acordos e foram se tornando exemplo para as crianças, adolescentes e jovens.

Dessa forma, não houve mais necessidade de professores, tudo era online, e o mundo se tornou o que e’, os professores foram partindo e não haviam quem os substituísse, e o mundo foi regredindo em valores, conhecimento, ética, disciplina, valorização do próximo e do bem comum.

(Eu Profª Marli, junto a um Autor desconhecido) com agradecimento a Glory Vettori)

Estamos quase desaparecendo mesmo, aos poucos, e parece que ninguém está percebendo ou interessado no assunto.



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