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Integrantes do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) veem com preocupação a chamada Moratória da Soja e não descartam a concessão de uma medida preventiva para barrar o acordo, que reúne grandes empresas. O programa está no centro de uma disputa que se arrasta há quase duas décadas, opõe gigantes do agronegócio e encontra divergências dentro do próprio governo federal.
A Moratória é um acordo privado entre grandes tradings exportadoras que impede a comercialização do grão produzido em área desmatada na Amazônia Legal depois de 2008, mesmo que o desmatamento tenha ocorrido obedecendo à legislação. A desconfiança de membros do órgão de defesa da concorrência é de que o acordo caracterize uma ação coordenada.
O Valor apurou que o Cade já pediu acesso a provas produzidas pela Justiça de São Paulo e deve tomar uma decisão nos próximos meses.
O caso chegou ao órgão antitruste a partir de uma representação da Comissão de Agricultura da Câmara dos Deputados, com apoio da Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso (Aprosoja-MT). A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) apresentou outra representação em fevereiro deste ano. O Cade investiga se o acordo afetou a livre concorrência.
Diversos senadores da bancada do agro têm feito reuniões com membros do órgão antitruste para pressionar pela derrubada da Moratória. As empresas que participam do acordo, por sua vez, são representadas pela Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove) e pela Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (Anec).
Há divergência sobre o tema também no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com visões opostas entre o Ministério da Agricultura, que já manifestou-se contra o acordo, e avaliações internas das Pastas da Fazenda e do Meio Ambiente, que veem efeitos positivos da Moratória e temem que o Cade o derrube. Essa ala já foi notificada sobre uma eventual interferência no acordo e os possíveis impactos negativos que essa medida, caso ocorra, teria sobre a avaliação internacional sobre a política ambiental brasileira.
Processo
Hoje, o processo é um inquérito sigiloso na Superintendência-Geral do Cade. A tendência é de que saia uma decisão nos próximos meses, que pode transformá-lo na abertura de um processo administrativo, dando sequência à investigação. No limite, além de encerrar o acordo com uma medida preventiva, o Cade pode punir as empresas signatárias por eventuais danos à concorrência a partir da instituição da Moratória, em 2006.
O assunto está em discussão há anos no Judiciário e, recentemente, chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF). O ministro Flávio Dino deu sinal verde a uma lei de Mato Grosso que proíbe a concessão de benefícios fiscais a empresas que integram a Moratória. No entanto, na própria decisão, o ministro atestou que o acordo “trouxe inequívocos benefícios ao país”, especialmente no cenário externo.
Segundo o presidente-executivo da Abiove, André Nassar, o Cade deveria observar a decisão liminar do ministro Flávio Dino, “que reafirma a legalidade da Moratória da Soja, e resguardar os atos passados vinculados a essa iniciativa”.
O presidente da Aprosoja-MT, Lucas Costa Beber, disse que a Moratória é uma “barreira” que impede o desenvolvimento econômico e social dos municípios de Mato Grosso que estão no bioma amazônico. Segundo ele, Câmaras de Vereadores de 127 cidades do Estado já apoiaram formalmente os pedidos de extinção do acordo.
“As empresas da Moratória compõem um cartel responsável por 95% do mercado comprador de soja”, disse ele em evento em Sorriso (MT) na semana passada. “É uma barreira comercial disfarçada para impedir a expansão da produção de soja no Brasil, já que os mercados americano e europeu não são tão eficientes quanto o nosso”.
A entidade alega que a Moratória interfere na livre iniciativa dos produtores rurais que abriram novas áreas, com autorização legal, após 2008. O Código Florestal determina que 80% das áreas das fazendas devem ser preservadas.
“Não vamos medir esforços para desfazer essa grande injustiça, que interfere na livre iniciativa dos produtores e na soberania da nossa legislação. Precisamos nos impor, senão virão restrições a mais culturas”, concluiu Costa Beber.
Em nota, a Abiove disse que eventual ação preventiva contra a Moratória põe “em risco a credibilidade do Brasil como exportador confiável e reconhecido pelos altos padrões de sustentabilidade”.
A Aprosoja-MT, por sua vez, afirmou que a Moratória “impõe uma regra privada, arbitrária e ilegal, que exclui quem está na legalidade”. O acordo “não tem respaldo no ordenamento jurídico nacional e vem causando danos irreparáveis aos produtores. Só em Mato Grosso, os prejuízos diretos já somam R$ 20 bilhões anuais, e o efeito multiplicador sobre a economia regional ultrapassa R$ 60 bilhões por ano”, alegou a entidade, que disse confiar no Cade “para que as leis brasileiras sejam respeitadas e para proteger quem produz com sustentabilidade e em estrita observância à legislação ambiental mais rigorosa do mundo, a do Brasil”.
Procurado pelo Valor, o Ministério da Fazenda disse que não se manifestaria. Os ministérios do Meio Ambiente e da Agricultura, por sua vez, não deram retorno.