Pedro Coutinho/Olhar Jurídico
Cuiabá/MT
O juiz Bruno D’Oliveira Marques atribuiu à Vara de Ações Coletivas de Cuiabá o julgamento de Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público do Estado de Rondônia contra o Hospital Santa Rosa, localizado na capital, por suposta prática de preços abusivos na cobrança de serviços médico-hospitalares e insumos utilizados durante internações, especialmente no contexto da pandemia de Covid-19. Filho de um paciente que morreu do vírus na unidade acionou o órgão ministerial ao verificar suposto superfaturamento na nota fiscal.
A ação foi motivada por uma denúncia apresentada pelo consumidor Alexandre Augusto Corbacho Martins, filho de Antônio Martins da Silva, que esteve internado na UTI do Hospital Santa Rosa entre março e abril de 2021, vindo a óbito em 22 de abril daquele ano. Antônio foi internado como paciente particular, em razão de não possuir plano de saúde, e permaneceu na unidade por 28 dias. Seu filho assumiu as despesas, tendo firmado acordo para pagamento parcial do débito em abril de 2021, no valor de R$ 163 mil.
De acordo com a petição, após o falecimento do pai, Corbacho verificou diferenças expresisvas entre os preços cobrados pelo hospital e aqueles praticados no mercado. Entre os exemplos citados, consta a cobrança de R$ 1.676,70 por um equipo para dieta enteral — item que, segundo pesquisa do consumidor, era vendido em site especializado por apenas R$ 14,70.
Mesmo após ter quitado o valor integral da dívida hospitalar de R$ 304 mil, em novembro de 2021, o consumidor afirmou que o fez apenas para evitar ações judiciais, mantendo, contudo, a convicção de que os valores cobrados eram superfaturados e abusivos. Ele também relatou ter formalizado três reclamações junto à ouvidoria do hospital, sem resposta oficial.
A principal controvérsia recai sobre a utilização, pelo hospital, de tabelas privadas de preços — Brasíndice e Simpro — como referência para os valores dos insumos. De acordo com o ministério, os hospitais e clínicas particulares devem observar o “Preço de Fábrica” (PF) dos produtos, e não o “Preço Máximo ao Consumidor” (PMC), que é aplicável exclusivamente ao comércio varejista, como farmácias e drogarias.
Segundo o Ministério Público, ao adotar tal estratégia, o Hospital Santa Rosa teria descumprido normas legais, violando também os princípios da transparência e da proteção ao consumidor previstos no Código de Defesa do Consumidor (CDC). O órgão argumenta que essa prática representa vantagem excessiva ao fornecedor, onerosidade desproporcional ao consumidor e possível enriquecimento ilícito por parte da unidade hospitalar.
Além disso, a Promotoria destaca que a ausência de acesso público às tabelas Brasíndice e Simpro inviabiliza que os consumidores tenham informação clara e precisa sobre os valores cobrados.
Diante dos fatos, o Ministério Público pediu que o Santa Rosa seja condenado a exigir as notas fiscais de aquisição de medicamentos e insumos, bem como comprovantes de pagamento de serviços médicos relativos ao caso. Também solicitou que as editoras das tabelas — Andrei Publicações Médicas Farmacêuticas Técnicas Ltda. e Simpro Publicações e Teleprocessamento Ltda. — apresentem cópia integral de suas publicações, a fim de permitir a comparação dos valores de mercado com os valores efetivamente cobrados.
No mérito, a ação requer que o Hospital Santa Rosa seja obrigado a usar como referência para reembolsos apenas os preços fixados pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED), com base no PF, e que seja compelido a devolver aos consumidores os valores eventualmente cobrados a maior com base no PMC ou nas tabelas privadas citadas. Requer-se, ainda, que o CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) e a própria CMED intensifiquem a fiscalização sobre a prática de reembolso hospitalar no setor privado.
A ação foi inicialmente proposta na Justiça Federal de Rondônia, mas foi redistribuída para a Justiça Estadual de Mato Grosso após reconhecimento da incompetência territorial e ausência de interesse federal. O Juízo da Vara Especializada em Ações Coletivas de Cuiabá determinou, no último dia 7 de maio, a intimação do Ministério Público Estadual para que se manifeste quanto ao interesse em ratificar a petição inicial e os pedidos de tutela de urgência.
O valor atribuído à causa é de R$ 467.836,14, referente à soma total das despesas médicas pagas pelo consumidor. O processo segue em tramitação na Justiça Estadual de Mato Grosso.