Por Alexandre Calais/ Estadão
A economia brasileira registrou um crescimento novamente robusto no primeiro trimestre deste ano. Os dados divulgados pelo IBGE nesta sexta-feira, 30, mostraram uma alta de 1,4% no Produto Interno Bruto (PIB), um número bem maior do que o previsto no início do ano, quando o mercado falava em algo como 0,8% ou 0,9% de alta.
Novamente, o crescimento foi puxado pelo agronegócio, como já é tradicional. No primeiro trimestre, a agropecuária teve um avanço de 12,2% em relação ao quarto trimestre e de 10,2% em relação ao mesmo período de 2024. Este ano, o País deve colher mais uma safra recorde.
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Este é o setor mais moderno da economia brasileira. Por meio de muita pesquisa e investimentos feitos ao longo das últimas décadas (e uma estatal, a Embrapa, tem papel fundamental nisso), as fazendas do País são talvez as mais produtivas do mundo. Por aqui, se colhem duas, três, às vezes até quatro safras por ano. Não à toa o Brasil é líder, ou um dos primeiros, na produção de alguns dos itens mais importantes dentro da agropecuária global, como soja, milho, café ou carnes.
Em 2024, a cadeia do agronegócio representou 23,2% do PIB brasileiro, ou algo como R$ 2,7 trilhões, segundo um levantamento feito pelo Cepea e pela Confederação Nacional da Agricultura (CNA). Isso envolve não só a produção agrícola, mas tudo que ela envolve, como o setor de fertilizantes, de máquinas agrícolas e até o varejo e serviços ligados à agropecuária. É um número que vem crescendo ano a ano, puxado por safras cada vez maiores.
É uma trajetória diferente da indústria. No primeiro trimestre, esse setor registrou um recuo de 0,1% no PIB, após até ter tido um bom desempenho no ano passado (alta de 3,3%). E as perspectivas para a indústria não são das melhores, por conta de toda a turbulência global provocada pela guerra de tarifas desencadeada pelo governo de Donald Trump, nos Estados Unidos.
Desde que o presidente americano apertou o cerco contra a entrada de produtos estrangeiros nos EUA, há um temor global de que o excesso de produção industrial dos principais países, em especial da China, terá de buscar novos mercados. O Brasil, por seu tamanho, é um candidato natural a receber parte dessa produção. E a indústria brasileira não está preparada para esse aumento de competição.
Não à toa, em entrevista ao Estadão em abril, o professor Matias Spektor, fundador da escola de relações internacionais da Fundação Getulio Vargas (FGV) e associado ao Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), disse que alguns setores industriais brasileiros poderiam ser varridos do mapa com “uma enxurrada de produtos chineses” que serão redirecionados para outros mercados, ao ser afetados pelas tarifas americanas.
Obviamente, o problema da indústria brasileira não vem de agora. A participação da indústria de transformação no PIB é hoje um terço do que era na década de 1980, quando era mais de 30% da economia. No ano passado, a indústria de transformação representou pouco mais de 10% do PIB brasileiro.
Os dados divulgados nesta sexta-feira pelo IBGE mostram que a indústria de transformação está operando atualmente em um patamar 15,1% abaixo do seu pico, que foi alcançado no terceiro trimestre de 2008 - ou seja, quase 17 anos atrás.
O governo lançou em 2023 um programa para tentar reverter essa queda, o Nova Indústria Brasil, com financiamentos anunciados de R$ 300 bilhões para a indústria até 2026, capitaneados principalmente pelo BNDES. Por enquanto, não deu resultado, se é que vai dar. Um estudo da Confederação Nacional da Indústria (CNI) divulgado em junho aponta o Brasil em último lugar no que se refere à competitividade industrial, em um ranking de 17 países.
Não é fácil, claro, reverter esse cenário. Mas seria importante para o Brasil voltar a ter uma indústria um pouco mais pujante. Essas empresas costumam ter empregos mais sólidos e com melhores pagamentos que os do varejo ou dos serviços. São importantes para a economia das áreas urbanas, que, sem indústrias fortes, correm o risco de mais precarização dos empregos.
O exemplo do agronegócio está aí para ser seguido. No caso da indústria, o Brasil deveria talvez fazer apostas mais assertivas nas áreas industriais para as quais tem vocação mais clara. Indústrias mais sofisticadas ligadas à própria produção agropecuária talvez fossem um dos caminhos. E uma porta gigantesca que se abre, mas que ainda parecemos relutantes em entrar, é a da economia verde, com todo o nosso potencial de geração de energia limpa.
Mas, como sempre, as discussões do dia a dia, como as fraudes do INSS ou o aumento do IOF, parecem consumir todo o tempo do Executivo e do Legislativo. Um país sem planos de longo prazo, que não sabe para onde vai, é um país sem futuro.