Consumidores que financiaram parcialmente a compra de veículos podem ter sido cobrados indevidamente em cerca de R$ 1,5 bilhão, no ano passado. Concessionárias e bancos têm cobrado a tarifa de abertura de crédito (TAC) ou tarifa de cadastro ou ainda de crédito (TC) ilegal de acordo com o Código de Defesa do Consumidor. A prática, no entanto, está disseminada entre as concessionárias de veículos, que muitas vezes embutem a tarifa e informam ao cliente apenas o valor de cada prestação.
Dados da Associação Nacional das Empresas Financeiras das Montadoras (Anef) mostram que 46% dos veículos e comerciais leves vendidos em 2010 foram financiados. Se for estabelecida uma TC média de R$ 1.000 para cada um desses veículos, o gasto supera R$ 1,5 bilhão. Procurado, Décio Carbonari de Almeida, presidente da Anef, não respondeu ao pedido de entrevista.
“Essa cobrança é abusiva e ilegal à luz do Código de Defesa do Consumidor”, diz Renata Reis, superintendente de assuntos financeiros da Fundação Procon SP. “O fato de o fornecedor pegar seus dados para elaborar um contrato ou mesmo guardá-los não é um serviço. É parte da elaboração do contrato.” Um funcionário de uma concessionária que pede para não se identificar diz que a taxa é cobrada pelos bancos. “Antes existia a TAC. Agora é a TC. Ou cliente aceita ou não compra”, afirma.
No fim de 2007, o Banco Central padronizou uma lista de tarifas que podem ser praticadas pelos bancos. A TAC, em vigor até então, foi eliminada desta lista. Os bancos, no entanto, continuam cobrando-a, agora com o nome de TC, justificando que são serviços especiais de crédito, permitidos pelo BC. Segundo o Procon, porém, tal cobrança não é legal já que são inerentes à operação de crédito atos como simular o financiamento e pesquisar informações sobre o cliente.
Em todas as concessionárias, TAC ou TC era cobrada nos financiamentos concedidos pelos maiores bancos do País.
Questionado, o Banco Santander informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que “a Santander Financiamentos não cobra TAC, mas tarifa de cadastro permitida pelo Banco Central”. O banco diz que cobra pela confecção de cadastro para início de relacionamento. Os valores são de R$ 550 para pessoas físicas e de R$ 700 para pessoas jurídicas. A justificativa é que a tarifa é cobrada para a “realização de pesquisa em serviços de proteção ao crédito, base de dados e informações cadastrais, e tratamento de dados e informações necessárias ao início de relacionamento”.
O Banco Itaú respondeu por meio de comunicado que a “TAC (Tarifa de Abertura de Crédito) não é cobrada nas operações de pessoa física de financiamento e leasing de veículos”. A única tarifa cobrada é a TC (tarifa de cadastro) no valor de R$ 690. O texto do Itaú afirma que existem outras taxas cobradas nos financiamentos de automóveis, como despesa de gravame no órgão de trânsito, de R$ 42,11; despesa com registro de contrato, de R$ 50; serviços prestados pela revenda para acesso às cotações/simulações de financiamento, de R$ 300. A soma desses valores com a TC é de R$ 1.082,11.
O Banco Votorantim, braço para financiamento de veículos do Banco do Brasil, afirma que a taxa máxima cobrada como TC é de R$ 600. Segundo a assessoria de imprensa do banco, há outros serviços envolvidos na operação do financiamento - como gravame do veículo e registro de contrato.
De acordo com Renata Reis, do Procon-SP, a resolução do BC diz que os bancos só podem cobrar as tarifas autorizadas. “Outras, só se forem por um serviço diferenciado, que precisa ser justificado.” O fato gerador da cobrança, nesses casos, é uma operação de crédito. Pode-se justificar a tarifa por conta da pesquisa e informações de crédito do cliente na Serasa ou nos Serviços de Proteção ao Crédito (SPC), um serviço terceirizado. “Mas isso não é um serviço ao cliente”, rebate Renata. “É um procedimento usado pelo banco para reduzir seu risco na concessão de crédito. Esse é um risco do negócio dele, banco.”
Em outras palavras, a cobrança de uma tarifa tem de estar associada a um serviço. No caso do crédito para a compra de um veículo, não se identifica outro serviço que não seja o financiamento que o cliente está contratando. “Para custear esse financiamento já existem os juros, que remuneram o capital mais os custos administrativos da instituição, como elaboração de contrato e o risco de operação”, diz ela.
Procurado, o Banco Central não se pronunciou.