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GERAL Quarta-feira, 30 de Julho de 2025, 10:35 - A | A

30 de Julho de 2025, 10h:35 - A | A

GERAL / ARRECADAÇÃO

Arrecadação com cartórios dispara e atinge R$ 3,5 bilhões em 2024

VALOR ECONÔMICO



As iniciativas da Receita Federal para estimular o cumprimento de obrigações tributárias pelos donos de cartórios resultou em uma arrecadação de R$ 3,5 bilhões no ano de 2024 – um aumento de 94,4% em relação a 2020. Com a chamada “Operação Cartório”, desde 2021, conforme aponta o Relatório Anual de Fiscalização do órgão, “o nível de conformidade vem crescendo de forma consistente” no setor.

Para dar continuidade aos resultados positivos da medida, está prevista para este ano a implementação de Livro Caixa Digital para titulares de cartórios. A nova obrigação contemplará a escrituração do livro-caixa, de interesse da Receita Federal, e do Livro Diário Auxiliar de Receitas e Despesas, de interesse da Corregedoria Nacional de Justiça e das Corregedorias Gerais dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal.

Por enquanto, a Receita tem enviado comunicados e cartas para orientar sobre os valores a serem pagos, de forma similar ao que faz em outros setores em que identifica um flanco no pagamento de tributos, como em relação aos proprietários rurais. Para os técnicos, na área rural, pode haver uma genuína confusão sobre como declarar os tributos, o que não seria exatamente a situação dos cartórios.

A “Operação Cartório” é considerada pelo Fisco como um dos exemplos mais bem-sucedidos da nova cultura da Receita, de investir em orientação do contribuinte e medidas de facilitação dos pagamentos dos tributos, antes de partir para o controle coercitivo – que inclui autuações e aplicação de sanções, como multas. A opção por um acompanhamento mais próximo desse setor foi feita devido à sua elevada capacidade de gerar arrecadação para os cofres da União.

Os cartórios têm uma situação peculiar que pode explicar o aumento apontado na arrecadação, segundo Michel Berruezo, sócio do escritório Pellegrina e Monteiro, que atua desde 2018 assessorando cartórios. Todas as obrigações tributárias são apontadas na pessoa física, explica ele, mesmo as relações trabalhistas ou previdenciárias. A apuração do Imposto de Renda é feita por meio do livro-caixa e é paga via carnê-leão, a partir do lançamento mensal de despesas e receitas. Por volta do ano de 2015, diz o advogado, as corregedorias dos tribunais de justiça, que fiscalizam o serviço notarial, começaram a trocar informações com a Receita a respeito.

“Muitas vezes, as despesas pessoais do tabelião se confundiam com despesas operacionais do cartório”, afirma Berruezo. Um exemplo é a despesa com o automóvel usado pelo tabelião para ir ao cartório ou a despesa com a faculdade de um cartorário para estudar Direito. E muitos cartórios não tinham digitalizado o livro-caixa, mesmo no ano de 2019. “Até 1988, nos cartórios valia o regime hereditário. Essas administrações têm práticas enraizadas e uma confusão de custos e despesas que é até natural na pessoa física”, diz.

Empresas têm disputas similares às dos cartórios com a Receita Federal quanto a despesas ou quais situações geram créditos. O que torna a cobrança dos cartórios mais efetiva é que eles também são fiscalizados pela corregedoria e ficam com medo de punições além-Fisco, sendo a mais grave delas a perda do cartório.

Além da dedução de despesas, há uma questão com a folha de pagamento, segundo Berruezo. Hoje, os cartórios contratam pelo regime celetista, mas ainda podem ter contratados pelo modelo pré-88, em regime estatutário híbrido, pelo qual não se recolheria a contribuição previdenciária. “Teve uma enxurrada de autuações fiscais em 2024. Isso porque tem estatutários com carteiras importantes e remunerações que chegam a seis dígitos mensais, então a cobrança previdenciária é alta”, afirma.

Alguns titulares de cartórios, acrescenta, estavam menos preparados. “Não tinham controle de livro-caixa tão bem feito, seja preservando comprovantes de despesas, seja pela confusão patrimonial”, diz o advogado. Berruezo só pondera que também existem autuações que, para ele, “não param em pé”, como a por causa de despesa educacional e a decorrente de contratos de terceirizados. “A Receita insiste que deduções de despesas com pessoal são limitadas a empregados.”

A matéria de cartório, afirma o advogado, “é uma verdadeira jabuticaba”. “É o único serviço público exercido por delegação privada, ainda tem concessão hereditária funcionando, então todo regime trabalhista, tributário, administrativo é complicado e anômalo”, diz.

O superintendente jurídico da Associação dos Notários e Registradores do Brasil (Anoreg), Maurício Zockun, afirma que, por causa do sigilo das informações da Receita, não é possível identificar com precisão a que se deve o recente aumento da arrecadação. Porém, segundo ele, os cartórios não deixavam de pagar tributo de propósito. O superintendente também destaca que não houve aumento no número de cartórios na mesma proporção.

Ainda de acordo com Zockun, não seria possível haver falta de pagamento de tributos deliberada por parte dos cartórios porque eles são fiscalizados pelo Poder Judiciário. O superintendente projeta que umas das possibilidades foi a Receita Federal ter passado a entender melhor as peculiaridades do setor, além da transferência dos valores de um fundo destinado a remunerar cartórios por serviços gratuitos, que fica sob gestão do Poder Judiciário.

A própria Anoreg, diz Zockun, fez reuniões com a Receita para explicar particularidades da atividade. Ele explica que nem todo valor pago fica com o cartório. Parte vai justamente para esse fundo comum destinado a pagar pelos serviços gratuitos, como a emissão da primeira certidão de nascimento.

Procurado pelo Valor, o Conselho Nacional de Justiça não deu retorno até o fechamento da edição.



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